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quarta-feira, 25 de julho de 2018







UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA)
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS (FFCH)
DISCIPLINA SEMINÁRIO TEMÁTICO (FCHD94)





ENSAIO SOBRE O CONTEÚDO APRESENTADO ATRAVÉS DOS TEXTOS DE TRÊS DOS AUTORES CUJOS TRABALHOS FORAM DESENVOLVIDOS NA DISCIPLINA SEMINÁRIO TEMÁTICOS NO SEMESTRE 2018.1.







                      DOCENTE: J. T.

DISCENTE: ALAN CARDOSO FERREIRA SANTOS






25/JULHO/2018






 INTRODUÇÃO:
Esse documento buscará estabelecer, conforme proposto, um “diálogo” entre três, dos diversos textos e autores trabalhados no decorrer do semestre 2018.1, do componente Seminário Temático do curso de licenciatura em história da Universidade Federal da Bahia UFBA. A escolha dos textos e autores levou-se em consideração o tema proposto por cada um, feitiçaria e bruxaria, dois deles, na Europa do período moderno e um na África, no século XX. Ao decidi sobre esses autores naturalmente assumi o compromisso de estabelecer as importantes e necessárias diferenças conceituais e metodológicas, entre eles, bem como evitar anacronismos e outras anomalias conceituais dada as dieferenças temporais e metodológicas entre os documentos, por outro lado, ao tentar estabelecer tais conecções terei a oportunidade de trabalhar com o contraditporio, com o diferente e isso certamente enriquecerá o texto.
 Os documentos selecionados são: Feitiçaria e Cultos Agrários nos Séculos XVI e XVII, capítulo 3, do livro: Os Andarilhos do Bem, do historiador Italiano Carlo Ginzburg; A Bruxaria É Um Fenômeno Orgânico E Hereditário, capítulo 1, do Livro: Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande, do antropólogo inglês Edward Evan Evans-Pritchard e: A Feitiçaria na Europa Moderna da historiadora brasileira Laura de Melo e Souza.
 O assunto Bruxaria e Feitiçaria, tratado em qualquer espaço e em qualquer tempo é sem dúvidas um tema emblemático e extraordinário, é lidar com tradições, práticas e imaginário que à séculos acompanham a cultura de vários povos de várias partes do mundo. Na Europa, até o Renascimento, era assunto recorrente, não só nas camadas populacionais mais populares era recorrente igualmente entre os grandes intelectuais, essa é inclusive a abordagem realizada por, José Pedro Paiva em sua obra Bruxaria e Superstição num País Sem Caça as Bruxas, ali este autor discorre que bruxaria e feitiçaria era pauta para escritos de intelectuais reconhecidos até hoje como Jean Bodin, que foi, entre outras coisas, fundador da sociologia política e da história comparada das formas políticas, e que concomitantemente a isso foi severo perseguidor de bruxas e autor de um enorme tratado sobre as formas de as perseguir. Na Àfrica, conforme veremos, a bruxaria era algo implícito em várias culturas, segundo E. E. Evans-Pritchard, a bruxaria desempenhava um papel em todas as atividades da vida (...), Não existe nicho ou recanto da cultura zande em que não se insinue.  Foi no intuito de trabalhar os conceitos diferentes de Bruxaria em diversas localidades do planeta e em diferentes períodos de tempo que se pensou em selecionar três textos que contemplem essa característica. Nesse primeiro momento o esforço será tornar claro os conceitos de feitiçaria e bruxaria de cada uma das comunidades estudadas a partir das pesquisas dos autores selecionados para esta atividade, naturalmente, como já foi dito, existe a preocupação em estabelecer, no processo de “encaixe e desencaixe” das narrativas, sobre o tema e estabelecimento de possíveis diferenças e similaridades as devidadas distancias temporais, geográficas e conceituais entre os documentos.
 O antropólogo E. E. Evans-Pritchard, em sua pesquisa realizada em comunidades Azande, localizada no Sudão anglo-egípcio, durante a década de 1920 e publicado em 1937, concluiu que para o povo “Zande” a bruxaria e a fetiçaria, são coisas distintas, segundo o texto a bruxaria é uma substância existente no corpo dos bruxos, o autor não deixou claro em sua pesquisa, em que órgão do corpo o povo Zande “guardaria” a substancia bruxaria, e a descreveu como uma pequena bolsa ou inchação enegrecido e oval, dentro da qual costuma ser encontrada uma variedade de pequenos objetos, em princípio um bruxo não apresenta sintomas externos de sua condição.
 Mangu “bruxaria” é, para o povo Azande, assim como foi descrito acima, um fenômeno organico,  e, segundo o autor, também hereditário, sendo, portanto, algo que pode ser herdado. O texto afirma que a bruxaria é transmitida por descendência uni linear, dos genitores a seus filhos, isto é, os filhos de um bruxo são todos bruxos, mas suas filhas, não; as filhas de uma bruxa são todas bruxas, mas seus filhos, não.
Laura de Mello e Souza, em seu livro Feitiçaria na Europa Moderna faz uma descrição bem ampla sobre bruxaria e feitiçaria no tempo e espaço proposto (europa moderna), sua abordagem tem início no século XIV europeu. Ao falar acerca da bruxaria, a autora discorre sobre esse emblemático “personagem” o descrevendo em diversas perspectivas, entre elas, assim como o fez Evans-Pritchard, sobre os Azande, no aspecto da hereditariedade, todavia com diferenças significativas, se entre os Azande (Século XX), os filhos de um bruxo são todos bruxos, mas suas filhas, não e as filhas de uma bruxa são todas bruxas, mas seus filhos, na europa (Período Moderno), segundo a autora, não havia esse condicionante, Laura de Mello e Souza, cita o caso ocorrido em 1620 (Século XVII), no Alto Saona, segundo o texto, esta foi  a primeira acusação judicial feita, na europa, a uma acusada de bruxaria tendo como base o fato desta (Anne Humbert) ser filha de um bruxo (Pierre Humbert), todavia, feitiçaria, para a autora, eram pessoas responsáveis pela fabricação poções e filtros mágicos com vistas a solucionar problemas com os quais se achassem envolvidas, conceito em muito diferente das do Azande, que como foi visto era caraterizada por uma espécie de “anomalia” biológica e anatomica.
 O historiador italiano Carlo Ginzburg em seu livro Os Andarilhos do Bem, encontra em suas pesquisas um movimento que foi identificado, através das confissões de seus adeptos, como “uma seita organizada militarmente” que tinha o objetivo de combater contra feiticeiros e bruxas, através de batalhas, batalhas essas realizadas “em espírito”, portanto enquanto “combatiam” deixavam seus corpos na cama. Os “Benandanti”  “Andarilho do Bem”, em princípio, segundo o autor, não eram considerados feiticeiros, pelo contrário, eles afirmavam que combatiam em nome da fé cristã e da fertilidade dos campos e contra feiticeiros e bruxas. O santo ofício demorou um pouco até atribuir similaridades sólidas entre Benandati feiticeiros e bruxas, desde o início do período moderno na europa (Séculos XIV e XIV), foi se construindo um olhar sobre a figura das bruxas, atribuindo a estas, caractéristicas bem específicas e sobretudo esteriotipadas imputadas por suas práticas, ou (pseudo) práticas, a criação do conceito de feiticeira na europa pesquisada por Laura de Mello e Souza leva em consideração também o comportamento e até mesmo características físicas. Entre os Azande ser um bruxo não era considerado algo necessariamente condenável, mas sim o exercício dessa particularidade, um homem nunca pergunta aos oráculos, único poder capaz de detectar a localização da substância-bruxaria nos viventes, se um determinado indivíduo é ou não bruxo. O que ele pergunta é se, nesse momento, aquele homem lhe está fazendo bruxaria.
 Laura de Mello e Souza assim como E. E. Evans-Pritchard, entre os Azande, na África, estabelece diferenças entre feitiçaria e bruxaria, mais a frente trabalharemos mais, sobre tais diferenças conceituais, no texto Feitiçaria na Europa Moderna, fica evidente que o modelo concebido na época da figura da bruxa era, como já foi dito, carregado de preconceitos e esteriótipos, apresentavam-na como: velha, enrugada, vesga, desdentada, com verrugas, grisalha e com mãos ossudas, corcunda, roupas sem forma definida e preta, chapeu pontiagudo e gargalhada aterrorizante, ela afirma ainda que as mulheres sozinhas, solteiras ou viúvas constituiam a maioria das acusadas nos processos, diz ainda que se fossem feias e velhas, a suspeita ficava ainda mais forte.
Carlo Ginzburg, esclarece em sua pesquisa sobre os “Benandanti” que, apesar desta, ser uma seita secreta, os Andarilhos do Bem, quase sempre revelavam suas atividades e, como sabemos, seus membros não as consideravam feitiçaria ou bruxaria, aos poucos porém, sobretudo a partir das denuncias, investigações e abordagens da inquisição, suas práticas passaram a ser “associadas” ás de feitiçaria, chamando a atenção dos inquisidores.  Ginzburg esclarece que para se tornar um benandati era necessário nascer “empelicado”, isto é, sem romper a membrana que envolve o feto, Os Andarilhos do Bem, tinha a missão, sem alternativa de recusa, de quando convocados lutar, junto com seu exército, contra feiticeiros e bruxas a favor da fé e da fertilidade dos campos nos quatro tempos, em clara alusão as estações do ano, quando venciam “as batalhas noturnas” havia abundancia durante o ano e quando eram os adversários que venciam, reinavam as tempestades que davam origem a penúria”.

 Assim como no caso dos Andarilhos do Bem, onde práticas rurais, como as desempenhadas pelos “Benandanti” foram associadas á bruxaria, entre os Azande, segundo, E. E. Evans-Pritchard, a bruxaria desempenhava um papel em todas as atividades da vida, inclusive na agricultura, pesca e caça (Pág: 49), Não existe nicho ou recanto da cultura zande em que não se insinue. Se uma praga ataca a colheita de amendoim, foi bruxaria; se o mato é batido em vão em busca de caça, foi bruxaria; se as mulheres esvaziam laboriosamente a água de uma lagoa e conseguem apenas uns míseros peixinhos, foi bruxaria; se as térmitas não aparecem quando era hora de sua revoada, e uma noite fria é perdida à espera de seu vôo, foi bruxaria; se uma esposa está mal-humorada e trata seu marido com indiferença, foi bruxaria; se um príncipe está frio e distante com seu súdito, foi bruxaria; se um rito mágico fracassa em seu propósito, foi bruxaria; na verdade, qualquer insucesso ou infortúnio que se abata sobre qualquer pessoa, a qualquer hora e em relação a qualquer das múltiplas atividades da vida, ele pode ser atribuído à bruxaria.
 Laura de Mello e Souza ressalta que vários autores localiza a ocorrência do Sabbat como marco para distinção entre bruxaria e feitiçaria na europa, o Sabbat foi descrito pela autora nos seguintes termos: (Grande assembleia demoníaca realizada em uma clareira frequentadas por homens mulheres das mais diversas condições sociais presidida pelo demônio ou um dos demônios auxiliares. O pacto com o demônio, seria o elemento determinante dessa diferença (Entre Bruxas e Feiticeiras), só as bruxas possuíam pactos demoníacos, enquanto as feiticeiras, como falamos anteriormente, encarregavam-se de fabricar poções e filtros mágicos, as bruxas realizariam o pacto, sujeição ao príncipe das trevas e conjuro de demônios, invocados como auxiliares nas atividades maléficas, as bruxas, ao contrário das feiticeiras realizavam suas atividades de forma coletiva em uma espécie de seita demoníaca.  Segundo a prática antropológica a feiticeira invoca forças maléficas e trabalha com elas, enquanto a bruxa, por sua vez é a própria fonte do mal, que dela emana. Essa diferenciação não é desprovida de problemas há idiomas como o francês que não diferenciam uma prática da outra.
E. E. Evans-Pritchard estabelece algumas diferenças entre o que seria feitiçaria e bruxaria entre os “Azande”, segundo ele, o povo “zande” acreditava que os feiticeiros podem fazê-los adoecer por meio da execução de ritos mágicos que envolvem drogas maléficas. As bruxas, por sua vez, podem lhes fazer mal em virtude de uma qualidade intrínseca. Um bruxo não pratica ritos, não profere encantações e não possui drogas mágicas. Um ato de bruxaria é um ato psíquico. Podemos notar aqui que o autor descreve práticas de bruxaria e feitiçaria sempre em uma perspectiva maléfica, um pouco diferente de um dos conceitos estabelecidos no texto Recriar África do autor James Sweet que ao falar de bruxaria e feitiçaria nos séculos XVII e XVIII no contexto africano dá um caráter mais ambíguo a essas terminologias, segundo James Sweet, na conjuntura citada (séculos XVII e XVIII), muitos observadores ocidentais reduziram implicitamente as expressões religiosas africanas ao seu potencial para o mal, ainda segundo ele, uma análise mais equilibrada teria de reconhecer que a capacidade de controlar o mal era apenas um aspecto de um conjunto complexo de poderes religiosos.  Os Azande, explica Evans-Pritchard, diferenciam claramente os bruxos dos feiticeiros. Contra ambos empregam adivinhos, oráculos e drogas mágicas.
A exemplo da autora Laura de Mello e Souza, Carlo Ginzburg, também apresenta o “advento” do Sabbat, como divisor de águas no que diz respeito a definição das praticas de bruxaria,  Ginzburg, em sua pesquisa sobre "Os Andarilhos do Bem" na região do “Friul”, nordeste da Itália, com recorte que vai do final do século XVI até meados do século XVII, valeu-se de fontes inquisitoriais, para desenvolver sua tese sobre o processo em que, uma seita, com práticas e objetivos que claramente estavam ligados a atividades de fertilidade rural, ao ser associado ao Sabbat, ganhariam conotações de bruxaria, passando a ser, incluídos nos conceitos de demonologia e sendo assim perseguidos pelo Santo Ofício. O autor (Carlo Ginzburg) trabalha, em seu livro, na tênue linha que estabelecia uma divisão entre o que era considerado uma atividade antiga de cunho rural avoltada pra fertilidade e o que se considerava práticas de bruxaria ou feitiçaria.
 Enquanto entre os Azande a bruxaria poderia até mesmo causar um mal maior como a morte de uma pessoa, sendo, possível a família da vítima iclusive reivindicar a vingança desse ente morto, um dos conceitos de malevolencia apresentada por James Sweet, era justamente a condenação de práticas que viesse a prejudicar outros, segundo ele, reccorrer a poderes religiosos para prejudicar outras pessoas ou assegurar seu próprio sucesso, em vez de contribuirem para o bem comum, era considerado malevolente e um dos sintomas clássicos da malevolência para James Sweet era era o sofrimento injusto por parte da vítima. No “Friul”, narrado por Gizburg, as ações maléficas dos bruxos e feiticeiras eram diversas, todavia, vencer as batalhas noturnas contra os “Benedanti” eram uma das mais temidas, pois, causavam um periodo de infertidade, gerando penuria, poderiam ainda, segundo exemplo citado pelo “benendanti” Gasparutto gerar pequenos preujuizos como os causado quando, na volta das batalhas (Entre benandati contra as bruxas e bruxos, em espírito) (...). Acalorados e cansados, se, ao passarem pelas casas, encontram água clara e límpida nos baldes, bebem-na; caso contrário, vão à adega e estragam o vinho”; por isso, aconselha Gasparutto, dirigindo-se (ao padre) Sgabarizza, convém sempre ter em casa água limpa. Outro exemplo que explicita o mal que as bruxas poderiam causar foi citado quando o autor trata do processo de uma mulher, Sra. Florida, esposa de um notário acusada de ser benandate esta, por sua vez em conversa com a vizinha afirma: "O que eles tem contra mim? Se não fossemos nós, Os Benandanti, os feiticeiros comeriam as crianças até nos berços.

Na abordagem da Laura de Mello e Souza, fica claro que o maior “malefício” atribuído as ações de bruxaria era o pacto com o “diabo” e a consequente saída dos caminhos orientados pela igreja, contra esse “mal” estabeleceu-se uma perseguição por parte da Igreja Católica em várias ocasiões beirava a histeria, no texto A Feitiçaria na Europa Moderna são narradas situações onde hábitos hoje considerados comuns como gostar de animais e morar sozinha, entre outros, quase sempre com foco nas pessoas de sexo feminino eram considerados sinais que poderiam levar a pessoa a se tornar uma suspeita de práticas de bruxaria e feitiçaria.

A proposta desse componente, os textos trabalhados e a metodologia utilizada possibilitou um fascinante “mergulho” nesse tema que em princípio suscita no homem contemporaneo o impeto de desconfiança e descrença, todavia, na condição de estudante de história a abordagem desse tema precisa ir além dos eventos narrados, exigi esforço de contextualização, investigar o lugar que tais crenças ocupavam naquela cultura, como bem frisou Laura de Melo e Souza, falando da europa moderna, existia uma lacuna na explicação de crises, epidemias, fome, peste e legiões de marginalizados fatos que, demandavam de explicações plausíveis a compreenção de todos, as bruxas e feiticeiras, ou pessoas portadoras de pensamentos ante hegemonicos pareciam, dentro do contexto cristão, um caminho para explicação de tais problemas. A partir das contribuições da docente Juliana Torres foi possível contemplar esses fenomenos narrados nos textos do componente com um olhar voltado a todas as características, sem separar a crença em bruxaria e feitiçaria e tudo o que isso produzia, do contexto social de cada população de sua forma de vida, analizando esses pormenores é possível diminuir os preconceitos e esteriótipos, para a partir daí, ter uma maior e mais completa compreenção desses eventos e de sua “utilidade” no contexto em que existiram.



REFERENCIA BIBLIOGRAFICAS:

Os Andarilhos do Bem, Carlo Ginzburg
Feitiçaria na Europa Moderna, Laura de Mello e Souza
Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande, Edward Evan Evans-Pritchard
Recriar África,  James L. Sweet
José Pedro Paiva, Bruxaria e Superstição num país sem caça as Bruxas.

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